sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Um olhar linguístico


E-koty, Língua ou Dialecto?



Antes de considerar que o E-koty(1) seja uma língua ou dialecto, gostaria primeiro de colocar uma questão banal, a qual nos ajudaria a chegar a uma conclusão sobre a problem ática da língua E-koty. O que é uma língua e o que é um dialecto?
O problema linguistico de Mo çambique começa com o colonizador europeu que durante anos aniquilou a cultura e aspectos linguísticos dos moçambicanos e muitos ainda permanecem nessa barbárie. Aliás, em Moçambique a população foi convencida de que não tinha língua e tudo o que eles falavam era dialecto.
Gostaria primeiro de me centrar neste aspecto para melhor ser percebido. Em princípio colocaria uma outra questão: se os portugueses afirmavam que as línguas nacionais eram dialectos, qual seria a língua original desses dialectos? Será que eles eram também ignorantes, até ao ponto de não conhecer  o verdadeiro conceito de dialecto?
Se calhar os portugueses não conheciam o princípio de Ferdinand de Saussure que afirma o seguinte:
A língua é um conjunto de regras funcionais, estruturadas em vários níveis ou subsistemas que são comuns a todos os membros de uma sociedade. Enquanto que:
O dialecto é uma variedade de uma língua histórica que caracteriza formas de falar específicas de lugares, estratos sociais, faixas etárias com os seus registos próprios quanto a formalidade da situação de comunicação.
Partindo destes dois conceitos, em que ponto podemos situar a língua E-koty? Será que se trata de uma língua? Ou de um dialecto?
Alguns linguistas avançam que a língua E-koty é um dialecto. Perguntaria de novo, qual é a sua língua histórica, da qual o tal E-koty surgiu? Se ninguém traz evidências linguísticas, continuo a refutar esta hipótese, porque o E-koty provém de uma mistura do Swahili e do Árabe , quanto ao seu processo de formação. Facto que é natural para o surgimento de muitas línguas.
Assim, a língua E-koty passou a ser falada em muitas ilhas de Angoche, tais como: Catamoyo, Yarupa, Kelelene, Buzu e muitas outras e especialmente no Distrito de Angoche. Esta língua ganhou uma popularidade durante séculos e enraizou-se neste distrito, veiculando os diversos saberes e facilitando a comunhão entre os habitantes daquela zona. Seria esta, um dialecto? Claro que não, porque as suas formas linguísticas, especialmente a sintaxe, a semântica, a morfologia, a fonologia, a fonética são diferentes da língua E-makua, esta que se desconfia ser a língua mãe, da qual o E-Koty teria se formado.
Vejamos uma estrutura típica do Ekoty, comparando com o E-makua, assim podemos até acreditar que o E-koty nunca foi variante de E-makua, mas ambas as línguas coabitam no mesmo espaço, eis:
Lingua E-koty:   Assimana anrafuna swi. (as crianças comem peixe)
Lingua E-makua: Achinamuane ankura ehopa. (as crianças comem peixe)
Apesar da presença de alguns prefixos nas duas frases, especialmente o a- e an isto não quer dizer que uma língua é variante da outra, mas trata-se da semelhança de alguns grafemas das línguas bantu. Se algum som, ou seja uma palavra de uma língua X assemelha-se a Y, e elas são faladas no mesmo espaço, não quer dizer esta é uma variante da outra. Estaríamos desta forma a ignorar o estudo sistemático da linguística e afirmar por uma simples inferência.
Salienta-se que seria necessário fazer um estudo mais aprofundado, visto que a língua E-koty é pouco explorada, mas afirmar que esta é um dialecto seria, também, ignorar as diferentes variações que esta língua toma, em diversas regiões em que é falada. Seria, pois, útil de trazer factos convincentes para ilustrar uma hipótese, apesar dos meus serem pobres, mas reflectem que o E-koty é uma língua.
 (1) L íngua falada no Distrito de Angoche, na prov íncia de Nampula-Mo çambique

Uma visão cultural

O sincretismo cultural em Angoche,

uma marca de identidade

"O sincretismo cultural é uma área do Etnocentrismo e da Antropologia que estuda a relação entre as duas ou mais culturas. Este procura encontrar os alicerces que formam ou unem estas culturas, no que dá origem a uma identidade una, a qual poderá ser partilhada por um grupo de pessoas."

Peter Fry – citado em Ferretti (2001, p. 22) explica que os conceitos de pureza, mistura e sincretismo são construções essencialmente sociais que tendem a aparecer em ocasião de disputa de poder e hegemonia. Essa ocasião de disputa e hegemonia tão característica do período colonial nunca terminou, apenas sofreu modificações impostas pelo tempo e pelas tentativas de apaziguamento dos conflitos. Nesse sentido, o sincretismo pode ser considerado uma forma de apaziguamento que ainda existe e hoje na forma de discurso.
O caso particular de Angoche, o sincretismo é muito complexo porque se situa em três estágios socioculturais:
Estágio 1: A colonização mercantil árabo-persa. Nesta época verifica-se a assimilação linguística-cultural e o abandono parcial dos hábitos bantus. A população passou a ter um novo modelo de vida, centrado nas práticas religiosas e o ensino do alcorão.
Estágio 2: A presença portuguesa com a sua política de Assimilação baniu, deste modo, alguns hábitos locais. Obrigou o povo a assimilar a cultura lusa e os hábitos inerentes a estes. Não só pelos costumes, mas a língua sofreu, também, mutações. A religião predominante nesta época é a cristã.
Estágio 3: Contacto entre o povo do interior e os angocheanos. A partir 1986 começa a haver uma afluência dos povos provenientes das circunscrições administrativas de Angoche, devido a guerra. Estes instalam-se nas zonas dos planaltos designadas por Bairro da Horta. Assim, houve uma mistura de hábitos do interior e do litoral.

Apesar da intensiva colonização portuguesa, a presença dos traços árabes dominou a esfera social de Angoche e se afeiçoou a cultura, de tal forma que a religião muçulmana passou a ser definida como uma identidade cultural. Neste âmbito, verificam-se as relíquias arquitectónicas como o caso do modelo de construção das mesquitas, o ensino do alcorão e a forma de vestir, mas isto predomina principalmente numa zona chamada ingúri, onde vive a maioria esmagadora.

Ao passo os indivíduos que se instalaram nas zonas altas professam uma religião diferente dos nativos, a cristã. Este caso provoca formas discursivas pejorativas, o caso de Amakua (1) (macuas) ou Anampaironi (habitantes do bairro). Estas designações são atribuídas os indivíduos que saem do interior para se instalar neste Distrito. Este termo conota um indivíduo sem cultura, com falta de civismo e sem regras de etiqueta.

Uma vez que os anampaironis(2) professam uma religião diferente dos nativos, esta serve para identificar os traços culturais de cada indivíduo. Mas as duas culturas coabitam no mesmo espaço. Havendo respeito entre os habitantes do Ingúri com os do bairro da horta e ambos consideram as crenças e os costumes de cada grupo, sem nenhuma discriminação.

(1) Forma pejorativa que os nativos de Angoche usam para ofender os individuos provenientes do interior. Em termos linguisticos, ou seja com uma analise morfologica profunda este termo provem da palavra macua, acrescentado o prefixo a- passa a ser os macuas.

(2) Com base no exemplo 1, este termo serve para o mesmo proposito, mas anamapaironi, vem do verbo bairro e linguisticamente significa habitantes do bairro.