sábado, 18 de julho de 2009

Um olhar cultural

Angoche perde um ritual popular

Maulide ou Maulita, um ritual inesquecível na memória dos velhos

A presença muçulmana no norte de Moçambique é resultado de um longo processo de "islamização", que se iniciou no litoral e se estendeu mais tarde para o interior. Importantes núcleos swahilizdos ter-se-iam formado na actual costa moçambicana, entre os séculos XII e XV, principalmente nas ilhas Querimbas – também chamadas de ilhas de Cabo Delgado –, em Quelimane, na Ilha de Moçambique, em Angoche e em Sofala (Newitt, 1995; Pouwells, 1987).

Maulide deriva da palavra árabe Mawlid, que significa "aniversário do Profeta". Em Moçambique, os teólogos muçulmanos, provenientes das camadas médias urbanas vinculadas ao sunismo, não aceitam a comemoração do Maulide com o argumento de que não existe nenhuma referência a ele no Alcorão ou nos Hadiths(dizeres do profeta). Utiliza-se a categoria "homens do Maulide" para se referir, genericamente, aos remanescentes da Confraria Ahmad al-Rifaiyya. Tanto os termos "homens do Maulide" como "pessoas do Maulide" são utilizados, no norte do país, para a identificação desse grupo. No entanto, os rituais realizados pelas pessoas do Maulide não têm, necessariamente, relação com a data vinculada ao nascimento do profeta Mohamed ou com o nascimento do fundador da confraria, de modo que essas cerimónias ocorrem, às vezes, para comemorar simplesmente algum acontecimento específico.

A existência dos homens do Maulide surge por meio de versões obscuras e quase clandestinas que circulavam em Nampula e na Ilha de Moçambique. As referências a esse grupo provinham de outros muçulmanos que, aparentemente, não concordavam com suas práticas, e eram feitas com frequência na forma de comentários fragmentados, difusos e misteriosos.

Comentava-se que as pessoas do Maulide realizavam cerimónias que consistiam em cânticos e danças frenéticas acompanhadas de actos de autoflagelação. Com efeito, esse grupo era popularmente conhecido – ou melhor, desconhecido – em virtude de realizarem um ritual, cujo diacrítico mais característico era o uso de estiletes metálicos, que os participantes em estado de transe cravavam no corpo e no rosto.

Os comentários desconexos sobre o Maulide oscilavam entre a busca de explicações causais ou simples descrições sobre tabus alimentares e resistência à dor: "eles fazem uma dieta especial, têm certos alimentos que não podem consumir: polvo, porco, alguns tipos de peixes, alguns tipos de caranguejo";

Estes homens cravavam-se facas no corpo, mas não saia sangue, não sentiam dor". Essas foram algumas formas que os rumores contavam. Realmente os mais velhos consideram que isto já existiu, mas era uma espécie de magia. E, que se tratava de um ritual cuja comemoração merecia destaque na população daquela época.

Onde vive Maulide? Onde encontrar essas pessoas? As memórias é que podem explicar, talvez num côncavo de porvir, porque hoje as crenças foram mergulhadas na barbárie e sujeitas ao esquecimento. Assim seja, mas os mais velhos sentem a saudade dela, principalmente quando vêem que as nossas sociedades estão repletas de brincadeiras imundas nos jovens, onde a convivência é alcolizada. Para Angoche, Maulide ainda é uma crença por reviver.


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