sábado, 18 de julho de 2009

Um olhar antropológico



A exuberância das construções arquitectónicas e a herança árabe,
caso da Mesquita de Catamoyo

Num presente, muito mais que presente, que a história insiste em recordar, Angoche continua sendo o símbolo da armação e perseverança. Suas glórias permanecem anónimas, como a própria cidade que segurou o tempo, para que este não fugisse de si próprio. Esses braços abertos que não abraçam nada nem abraçam ninguém.

Não vai longe o tempo que viu nascer a mesquita Catamoyo: anos 70, a década que testemunhou a construção de uma das maiores da região norte de Moçambique. Essa mesquita refez o orgulho da cidade que já nessa altura vivia no limbo. Catamoyo, Nkatuní Mweyo conforme se deve dizer, para os entendidos significa “Venham vocês!”, frase pronunciada pelo povo da zona em resposta ao chamado dos portugueses quando as suas caravelas aportaram nas suas praias. A mesquita, esbelta e imponente, teria sido construída pelo então Senhor da Guerra, General Kaulza de Arriaga. Em seus sonhos e deambulações, um simples laço, “Nó Górdio”, daria o golpe final à revolução.


Apesar disso Arriaga, que jamais se importou com os homens perdidos em combate, ainda preserva as heranças culturais e religiosas. Trata-se de um milagre na história, um cristão que manda construir uma mesquita. Parece que precisamos de mais fontes para explicar este facto, quais são as verdadeiras razões?


Conta-se que Arriaga se apaixonara, perdidamente, por uma jovem inguriana: Amina Megji. Teria sido a sua beleza, como a de todas as mulheres ingurianas, que desfez o coração do maléfico general cristão. O amor terá passado as permeáveis fronteiras da crença. Nem importa se foi um efeito da guerra psicológica ou da pureza do amor. Catamoyo transformou-se num templo de fazer inveja. Fascinante maravilha, para seus crentes e sem dúvida merecedora de um lugar nos circuitos turísticos nacionais. Elegemos, vezes sem conta, as melhores praias e resorts do país. Todavia, nunca nos aventuramos na eleição dos melhores monumentos. Tarda a nomeação destes circuitos turísticos alternativos, obrigatórios, no país.





Um olhar cultural

Angoche perde um ritual popular

Maulide ou Maulita, um ritual inesquecível na memória dos velhos

A presença muçulmana no norte de Moçambique é resultado de um longo processo de "islamização", que se iniciou no litoral e se estendeu mais tarde para o interior. Importantes núcleos swahilizdos ter-se-iam formado na actual costa moçambicana, entre os séculos XII e XV, principalmente nas ilhas Querimbas – também chamadas de ilhas de Cabo Delgado –, em Quelimane, na Ilha de Moçambique, em Angoche e em Sofala (Newitt, 1995; Pouwells, 1987).

Maulide deriva da palavra árabe Mawlid, que significa "aniversário do Profeta". Em Moçambique, os teólogos muçulmanos, provenientes das camadas médias urbanas vinculadas ao sunismo, não aceitam a comemoração do Maulide com o argumento de que não existe nenhuma referência a ele no Alcorão ou nos Hadiths(dizeres do profeta). Utiliza-se a categoria "homens do Maulide" para se referir, genericamente, aos remanescentes da Confraria Ahmad al-Rifaiyya. Tanto os termos "homens do Maulide" como "pessoas do Maulide" são utilizados, no norte do país, para a identificação desse grupo. No entanto, os rituais realizados pelas pessoas do Maulide não têm, necessariamente, relação com a data vinculada ao nascimento do profeta Mohamed ou com o nascimento do fundador da confraria, de modo que essas cerimónias ocorrem, às vezes, para comemorar simplesmente algum acontecimento específico.

A existência dos homens do Maulide surge por meio de versões obscuras e quase clandestinas que circulavam em Nampula e na Ilha de Moçambique. As referências a esse grupo provinham de outros muçulmanos que, aparentemente, não concordavam com suas práticas, e eram feitas com frequência na forma de comentários fragmentados, difusos e misteriosos.

Comentava-se que as pessoas do Maulide realizavam cerimónias que consistiam em cânticos e danças frenéticas acompanhadas de actos de autoflagelação. Com efeito, esse grupo era popularmente conhecido – ou melhor, desconhecido – em virtude de realizarem um ritual, cujo diacrítico mais característico era o uso de estiletes metálicos, que os participantes em estado de transe cravavam no corpo e no rosto.

Os comentários desconexos sobre o Maulide oscilavam entre a busca de explicações causais ou simples descrições sobre tabus alimentares e resistência à dor: "eles fazem uma dieta especial, têm certos alimentos que não podem consumir: polvo, porco, alguns tipos de peixes, alguns tipos de caranguejo";

Estes homens cravavam-se facas no corpo, mas não saia sangue, não sentiam dor". Essas foram algumas formas que os rumores contavam. Realmente os mais velhos consideram que isto já existiu, mas era uma espécie de magia. E, que se tratava de um ritual cuja comemoração merecia destaque na população daquela época.

Onde vive Maulide? Onde encontrar essas pessoas? As memórias é que podem explicar, talvez num côncavo de porvir, porque hoje as crenças foram mergulhadas na barbárie e sujeitas ao esquecimento. Assim seja, mas os mais velhos sentem a saudade dela, principalmente quando vêem que as nossas sociedades estão repletas de brincadeiras imundas nos jovens, onde a convivência é alcolizada. Para Angoche, Maulide ainda é uma crença por reviver.


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Um olhar económico

Como viver em Angoche?


A cidade de Angoche(1) atravessa uma crise económica sem precedentes, depois de passado por períodos de prosperidade, praticamente, desde os meados do século XX até aos primeiros dez anos de independência.

O encerramento das principais unidades industriais – as três fábricas de processamento de caju, a fábrica de descasque de arroz, as duas empresas de pesca industrial, a empresa madeireira e uma salineira – transformou Angoche numa cidade estéril, abandonada à sua sorte. De “Angoche industrial” restam escombros e memórias nostálgicas de um passado áureo.

A crise industrial arrasta consigo a rede comercial que se reduza a pouquíssimos grossistas e pequenas mercearias, um talho e duas padarias. Milhares de Angocheanos estão condenados ao desemprego e à pobreza, gerindo os parcos recursos que retiram das machambas e do mar ou empenhando-se em pequenos negócios de carpintaria, alfaiataria e mecânica.

Dada a escassez de terra arável, a indisponibilidade de tecnologias, a inacessibilidade das

instituições de crédito e as limitações do mercado agrícola, a pesca artesanal é a grande alternativa para os angocheanos, na sua maioria associados em pequenas embarcações familiares e integrados numa ampla rede de pescadores, puxadores de rede, fumadores de peixe, secadores, transportadores, intermediários e revendedores. Contudo, a pesca artesanal enfrenta dois constrangimentos muito sérios: as dificuldades de acesso ao crédito e a prepotência dos pescadores industriais que impunemente assaltam as áreas reservadas à pesca artesanal e destroem as espécies.

Actualmente os mercados encontram-se vazios, os pequenos revendedores adquirem os seus produtos em Nampula e vendem a alto custo. A população fustigada por isto, abandona o Distrito para procurar as melhores condições na cidade capital. Em suma, com esta crise Mundial, como sobreviver num mundo destes ?


(1) A cidade de Angoche situa-se no litoral-norte da província de Nampula.