sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Um olhar linguístico
Uma visão cultural
uma marca de identidade
Peter Fry – citado em Ferretti (2001, p. 22) explica que os conceitos de pureza, mistura e sincretismo são construções essencialmente sociais que tendem a aparecer em ocasião de disputa de poder e hegemonia. Essa ocasião de disputa e hegemonia tão característica do período colonial nunca terminou, apenas sofreu modificações impostas pelo tempo e pelas tentativas de apaziguamento dos conflitos. Nesse sentido, o sincretismo pode ser considerado uma forma de apaziguamento que ainda existe e hoje na forma de discurso.
O caso particular de Angoche, o sincretismo é muito complexo porque se situa em três estágios socioculturais:
• Estágio 1: A colonização mercantil árabo-persa. Nesta época verifica-se a assimilação linguística-cultural e o abandono parcial dos hábitos bantus. A população passou a ter um novo modelo de vida, centrado nas práticas religiosas e o ensino do alcorão.
• Estágio 2: A presença portuguesa com a sua política de Assimilação baniu, deste modo, alguns hábitos locais. Obrigou o povo a assimilar a cultura lusa e os hábitos inerentes a estes. Não só pelos costumes, mas a língua sofreu, também, mutações. A religião predominante nesta época é a cristã.
• Estágio 3: Contacto entre o povo do interior e os angocheanos. A partir 1986 começa a haver uma afluência dos povos provenientes das circunscrições administrativas de Angoche, devido a guerra. Estes instalam-se nas zonas dos planaltos designadas por Bairro da Horta. Assim, houve uma mistura de hábitos do interior e do litoral.
Apesar da intensiva colonização portuguesa, a presença dos traços árabes dominou a esfera social de Angoche e se afeiçoou a cultura, de tal forma que a religião muçulmana passou a ser definida como uma identidade cultural. Neste âmbito, verificam-se as relíquias arquitectónicas como o caso do modelo de construção das mesquitas, o ensino do alcorão e a forma de vestir, mas isto predomina principalmente numa zona chamada ingúri, onde vive a maioria esmagadora.
Ao passo os indivíduos que se instalaram nas zonas altas professam uma religião diferente dos nativos, a cristã. Este caso provoca formas discursivas pejorativas, o caso de Amakua (1) (macuas) ou Anampaironi (habitantes do bairro). Estas designações são atribuídas os indivíduos que saem do interior para se instalar neste Distrito. Este termo conota um indivíduo sem cultura, com falta de civismo e sem regras de etiqueta.
Uma vez que os anampaironis(2) professam uma religião diferente dos nativos, esta serve para identificar os traços culturais de cada indivíduo. Mas as duas culturas coabitam no mesmo espaço. Havendo respeito entre os habitantes do Ingúri com os do bairro da horta e ambos consideram as crenças e os costumes de cada grupo, sem nenhuma discriminação.
(2) Com base no exemplo 1, este termo serve para o mesmo proposito, mas anamapaironi, vem do verbo bairro e linguisticamente significa habitantes do bairro.
sábado, 18 de julho de 2009
Um olhar antropológico
Um olhar cultural
Maulide ou Maulita, um ritual inesquecí
Maulide deriva da palavra árabe Mawlid, que significa "aniversário do Profeta". Em Moçambique, os teólogos muçulmanos, provenientes das camadas médias urbanas vinculadas ao sunismo, não aceitam a comemoração do Maulide com o argumento de que não existe nenhuma referência a ele no Alcorão ou nos Hadiths(dizeres do profeta). Utiliza-se a categoria "homens do Maulide" para se referir, genericamente, aos remanescentes da Confraria Ahmad al-Rifaiyya. Tanto os termos "homens do Maulide" como "pessoas do Maulide" são utilizados, no norte do país, para a identificação desse grupo. No entanto, os rituais realizados pelas pessoas do Maulide não têm, necessariamente, relação com a data vinculada ao nascimento do profeta Mohamed ou com o nascimento do fundador da confraria, de modo que essas cerimónias ocorrem, às vezes, para comemorar simplesmente algum acontecimento específico.
A existência dos homens do Maulide surge por meio de versões obscuras e quase clandestinas que circulavam em Nampula e na Ilha de Moçambique. As referências a esse grupo provinham de outros muçulmanos que, aparentemente, não concordavam com suas práticas, e eram feitas com frequência na forma de comentários fragmentados, difusos e misteriosos.
Comentava-se que as pessoas do Maulide realizavam cerimónias que consistiam em cânticos e danças frenéticas acompanhadas de actos de autoflagelação. Com efeito, esse grupo era popularmente conhecido – ou melhor, desconhecido – em virtude de realizarem um ritual, cujo diacrítico mais característico era o uso de estiletes metálicos, que os participantes em estado de transe cravavam no corpo e no rosto.
Os comentários desconexos sobre o Maulide oscilavam entre a busca de explicações causais ou simples descrições sobre tabus alimentares e resistência à dor: "eles fazem uma dieta especial, têm certos alimentos que não podem consumir: polvo, porco, alguns tipos de peixes, alguns tipos de caranguejo";
Estes homens cravavam-se facas no corpo, mas não saia sangue, não sentiam dor". Essas foram algumas formas que os rumores contavam. Realmente os mais velhos consideram que isto já existiu, mas era uma espécie de magia. E, que se tratava de um ritual cuja comemoração merecia destaque na população daquela época.
Onde vive Maulide? Onde encontrar essas pessoas? As memórias é que podem explicar, talvez num côncavo de porvir, porque hoje as crenças foram mergulhadas na barbárie e sujeitas ao esquecimento. Assim seja, mas os mais velhos sentem a saudade dela, principalmente quando vêem que as nossas sociedades estão repletas de brincadeiras imundas nos jovens, onde a convivência é alcolizada. Para Angoche, Maulide ainda é uma crença por reviver.
quarta-feira, 8 de julho de 2009
Um olhar económico
O encerramento das principais unidades industriais – as três fábricas de processamento de caju, a fábrica de descasque de arroz, as duas empresas de pesca industrial, a empresa madeireira e uma salineira – transformou Angoche numa cidade estéril, abandonada à sua sorte. De “Angoche industrial” restam escombros e memórias nostálgicas de um passado áureo.
A crise industrial arrasta consigo a rede comercial que se reduza a pouquíssimos grossistas e pequenas mercearias, um talho e duas padarias. Milhares de Angocheanos estão condenados ao desemprego e à pobreza, gerindo os parcos recursos que retiram das machambas e do mar ou empenhando-se em pequenos negócios de carpintaria, alfaiataria e mecânica.
Dada a escassez de terra arável, a indisponibilidade de tecnologias, a inacessibilidade das
instituições de crédito e as limitações do mercado agrícola, a pesca artesanal é a grande alternativa para os angocheanos, na sua maioria associados em pequenas embarcações familiares e integrados numa ampla rede de pescadores, puxadores de rede, fumadores de peixe, secadores, transportadores, intermediários e revendedores. Contudo, a pesca artesanal enfrenta dois constrangimentos muito sérios: as dificuldades de acesso ao crédito e a prepotência dos pescadores industriais que impunemente assaltam as áreas reservadas à pesca artesanal e destroem as espécies.
Actualmente os mercados encontram-se vazios, os pequenos revendedores adquirem os seus produtos em Nampula e vendem a alto custo. A população fustigada por isto, abandona o Distrito para procurar as melhores condições na cidade capital. Em suma, com esta crise Mundial, como sobreviver num mundo destes ?
(1) A cidade de Angoche situa-se no litoral-norte da província de Nampula.
terça-feira, 12 de maio de 2009
A ORIGEM DO NOME “ INGÚRI ”
Não sou o conhecedor das realidades, mas tenho uma curiosidade. Dizem que os dizeres populares são indispensáveis para modelar os valores da sociedade. Acredito que estes podem transformar crenças em princípios da verdade, assim como mostrar o potencial mitológico, na interpretação dos factos.
Se me permitem debruçar sobre a origem do nome INGÚRI, gostaria, em princípio transformar as crenças em ciência. Aliás, se não existe nenhum outro argumento para explicar a origem deste nome, então vamos aceitar o que nos é trazido pela transmissão oral.
Já que os mais velhos jogam um papel importante na reconstrução histórica, aproveito esclarecer as minhas dúvidas aproximando-os. Nas conversas que muitos jovens ignoram, vou buscar os meus pobres argumentos, inspirando-me nas ideias velhas para explicar o sentido etimológico do nome INGÚRI.
Contam eles, nos momentos eufóricos, que a palavra INGÚRI provém de uma grande árvore que na língua local se designava N’curi. A mesma era usada para os exorcismos e ordálios locais, na tentativa de criar uma mediação entre os preceitos da vida e o divino. É neste ponto onde decorriam as cerimónias, em caso de uma pandemia na comunidade. Pois, os líderes das comunidades circunvizinhas se reuniam, anualmente, em torno desta árvore para fazer o pedido de chuvas, cura das doenças, libertação de maus espíritos e a purificação das almas.
Ao longo do tempo, principalmente com a colonização portuguesa, o N’curi, nome de uma árvore teve que se assimilar para INGÚRI. Hoje o nome passou a designar o bairro mais populoso do Distrito de Angoche.
Recordar-vos, mais uma vez, que a nomenclatura dos nomes africanos não obedeceu um critério formal das realidades convincentes. Porém, foi a interpretação do colonizador, dententor do poder, que os nomes sofreram uma transformação fonética para se adequarem as pronúncias lusas.
Nem tudo é verdade, mas salientar que os nossos saberes orais nos levam aos horizontes científicos e os mais velhos devem servir de uma enciclopédia natural. Não de toda a ciência, mas de alguns factos para explicar a realidade quotidiana.
sábado, 9 de maio de 2009
Uma Visão Sociologica
RADICALISMO POLÍTICO EM ANGOCHE
Nenhum poder é possível de maneira durável, independentemente dos meios de que ele dispõe, se os homens não se entendem suficientemente do que é legítimo e sobre o que não é (1).
Na tentativa de se enquadrar numa visão das transformações da sociedade moçambicana, Angoche surge com um radicalismo político, jamais visto na história daquele círculo. Aliás já existiu, na Revolução Francesa. Entretanto, vão surgir, nesta cidade, duas facções especiais. Uma composta pelos velhos, ditos conhecedores da verdade. Outra formada pelos jovens adeptos, convencidos pela mudança, no futuro.
É evidente que ninguém duvida que todas as mudanças ocorrem no futuro. Porque o futuro é a única esperança que temos? Realmente, a guerra não começa pelo amor à própria política, mas pela conquista de um estatuto socialmente aceitável ou seja de um lugar no Governo.
Nesta pespectiva, os velhos reformistas com os seus antigos ideais não se contentam com o advento de novos valores, pregam a sua bandeira como uma doutrina religiosa. Ao passo que os jovens animados e convencidos pelo futuro oferecem o seu vigor, a sua energia para apoiar as mudanças. Que mudanças? Quando?
Estas duas posições fazem com que a sociedade se transforme num holocausto. Em consequência , as famílias se dividem, os valores sociais se transpõem, a solidariedade deixa de ter o seu valor.
De certeza, todos lutam pelo mesmo fim. Verificou-se na ruptura, onde os radicalistas ascenderam ao poder, mas não durou. O que vale? Saber gritar e não saber escrever? Saber escrever e não saber ler? Se a ruptura for deste género, estaríamos a comprometer a história. Mas vale a pena, porque ainda a sociedade muda, não importa para o pior, mas muda, tudo é mudança, Segundo Heraclito.
Assim, tudo se confunde com tudo. Aqueles que não se manifestam são espiões. Perseguidos para se identificar, excluídos da convivência social. Até quando?
Em suma, não se pode fundar com razão os costumes, as paixões, os interesses, as crenças, as opiniões, as ambições, etc. Nestas matérias, a sociedade deve entender-se e chegar a um acordo (2).
(1) e (2), Ngoenha Severino Elias, Das Liberdades as Independencias, Paulinas edições, pag.88: 89